Clara Marinho é uma estrela das redes sociais. Milhões a seguem, elogiam e desejam a vida perfeita que ela compartilha todos os dias. Mas nos bastidores, sua realidade é bem diferente: um relacionamento vazio, uma rotina sufocante e uma identidade que escorre pelos dedos. Após flagrar seu namorado com outra mulher e enfrentar uma crise existencial ao vivo, Clara toma uma decisão radical — desaparecer do mapa por um mês, sem internet, sem seguidores, sem filtros. Refugiada em um vilarejo litorâneo esquecido pelo tempo, Clara encontra não a paz que esperava, mas paredes mofadas, olhares desconfiados e Rafael — um morador local avesso à vida digital e crítico feroz do mundo que ela representa. À medida que os dias passam, os choques entre os dois se intensificam, revelando verdades desconfortáveis e sentimentos inesperados. No entanto, há mais segredos no vilarejo do que Clara imagina… e a maior transformação não será no feed, mas dentro dela. Será que Clara conseguirá se reconectar com quem ela realmente é — ou o mundo real também será cruel demais para suportar?
Ler maisClara olhou pela última vez para a tela do seu celular antes de desligá-lo definitivamente, sentindo uma mistura de alívio e ansiedade. O brilho da tela desapareceu, mas o peso da sua vida online ainda pairava sobre ela, como uma sombra invisível. A última mensagem de Lia, sua agente e melhor amiga, piscava na tela escura: "Você vai voltar logo, né? Essa 'desconexão' é só uma pausa para um novo conteúdo, certo?" Clara suspirou e olhou pela janela do avião, onde o céu se fundia com o azul profundo do mar. Ela sabia que a verdadeira desconexão não seria tão simples quanto desativar uma conta ou apagar um post. Não se tratava apenas de escapar das redes sociais. O verdadeiro desafio seria enfrentar a solidão que ela sentia ao olhar para a vida que construíra e perceber que não sabia mais quem era, sem as cortinas digitais que a protegiam do mundo real.
Enquanto o avião descia, Clara viu o contorno da pequena cidade litorânea, uma fileira de casinhas brancas com telhados de terracota, de frente para o mar. Era um lugar que parecia intocado pelo tempo e completamente fora do radar digital. Aqui, ninguém a reconheceria, e sua ausência de seguidores e câmeras tornava o ambiente quase intimidante. Quando o avião tocou o solo, Clara sentiu um frio no estômago, a incerteza sobre como se adaptar a uma rotina sem likes ou hashtags apertando seu peito. Com uma mochila nas costas e um caderno novo em mãos, Clara deu o primeiro passo para fora do avião, respirando o ar fresco e salgado do lugar. Ela se perguntava, pela primeira vez em muito tempo, se estava pronta para ser apenas Clara – sem filtros, sem audiência, sem roteiros.
Ao sair do pequeno aeroporto, Clara foi recebida pelo calor do sol, mas sua visão do cenário encantador logo se dissipou. O motorista local que havia contratado não estava à espera com uma plaquinha ou um sorriso simpático, como esperava. Em vez disso, uma van velha parou diante dela, e o motorista – um senhor de olhar desconfiado e sotaque forte – lançou-lhe apenas um aceno, enquanto seu rosto se mantinha sem expressão. Clara tentou puxar uma conversa animada sobre a cidade, mas ele respondeu com um monossílabo seco, sem sequer olhar para ela. Acostumada ao fascínio que causava nas pessoas e aos comentários entusiásticos que recebia online, Clara sentiu uma pontada desconfortável: ali, ela era apenas mais uma pessoa.
Quando chegaram à casa que ela alugara, a decepção foi ainda maior. Em vez do aconchego minimalista que imaginara, encontrou um chalé rústico, com móveis velhos e o cheiro levemente salgado do tempo passado perto do mar. O sinal de internet, que prometera ser "instável", não funcionava de forma alguma. Sozinha na sala de estar abafada, Clara sentiu uma onda de pânico ao perceber que, pela primeira vez em anos, estava desconectada de verdade. Sem ninguém para acompanhar cada movimento seu ou validá-la com curtidas, ela se sentiu vazia e vulnerável, questionando silenciosamente se aguentaria um mês assim.!
Exposta -Narrado por Clara – em primeira pessoaA brisa naquela manhã era suave, e o cheiro de pão fresco da padaria da Marina me guiava pelas ruas estreitas como uma promessa de aconchego. Eu já começava a decorar os rostos locais, a maneira como as senhoras cumprimentavam com um leve "Bom dia", e até o passo acelerado das crianças correndo para a escola com os pés cheios de areia.Não sentia falta das notificações.Ou pelo menos era isso que eu queria acreditar.Depois de alguns dias de silêncio digital, minha mente começava a desacelerar. Rafael e eu tínhamos compartilhado momentos tranquilos — ele me ensinando a fotografar com luz natural, eu falando (com menos defensiva) sobre o peso de manter uma imagem pública perfeita.Até que tudo desabou.Estávamos tomando café em uma mesinha na varanda do café da Marina, quando notei um homem, claramente turista, nos observando de longe. Ele segurava o celular na vertical, e ao perceber que o encarei, abaixou o aparelho disfarçadamente.Ra
Conexões InterrompidasNarrado por Clara -Não dormi. Cada minuto daquela noite foi uma tortura silenciosa, pontuada pela lembrança da mensagem da Júlia. Pedro estava falando. Mentindo. Dominando a narrativa enquanto eu… eu estava no meio do nada, sem wi-fi, sem defesa, sem plateia.Logo cedo, decidi descer até o mercadinho. Não só porque precisava de água e frutas, mas porque… Rafael estaria lá. E talvez, eu admitia em silêncio, era dele que eu precisava mais do que de qualquer coisa.Ele estava organizando caixotes de tomates quando entrei. Não sorriu. Nem fez menção de me notar além do necessário.— Bom dia — arrisquei, tentando parecer leve.— Bom? — Ele me lançou um olhar rápido, depois voltou a empilhar.Suspirei e fui até o balcão. Comprei duas garrafinhas de água, pão e alguns pacotes de biscoito. Paguei em silêncio.— Eu… posso te perguntar uma coisa? — disse, hesitando.Rafael ergueu uma sobrancelha, secando as mãos no avental encardido.— Pergunta.— O morro atrás da praia
Areias MovediçasNarrado por Clara –Acordei com o som das ondas batendo ritmadas contra as pedras, como se a natureza me chamasse para um novo começo — ou para mais uma tentativa frustrada de me entender fora das telas. O calor da casa continuava insuportável, mas já não me incomodava tanto quanto a ausência de notificações.Desci até a praia, o sol ainda tímido atrás das nuvens, e me sentei na areia úmida. Rafael apareceu logo depois, com uma cesta de peixes. Fingiu não me ver, mas seus olhos demoraram um segundo a mais do que o necessário sobre mim. E então, falou:— Já tá acostumando com a vida real ou ainda tá em crise de abstinência?Revirei os olhos, mas sorri. A verdade é que ele não estava errado.— Ainda sinto falta da minha bolha. Mas acho que ela estava cheia demais pra respirar.Ele sentou ao meu lado, longe o suficiente para manter a tensão, perto o bastante para me desconcentrar.— Você não parece do tipo que gosta de silêncio. Por que veio pra cá, de verdade?— Porque
No dia seguinte, quando finalmente criei coragem para sair de casa e explorar o vilarejo, o sol estava alto e o vento salgado trazia um frescor que ajudava a aliviar um pouco o peso daquela desconexão que eu sentia. Fui até um pequeno mercado na praça principal, que era basicamente uma casinha com uma varanda e algumas prateleiras repletas de itens locais. Assim que entrei, um homem alto, de cabelos castanhos um pouco desalinhados e olhar firme, me encarou do outro lado do balcão. Havia algo nele que me fez endireitar a postura.Ele não se mexeu; parecia mais curioso do que interessado."Oi," eu disse, tentando soar amigável. "Sabe onde posso encontrar café por aqui?"Ele arqueou uma sobrancelha, os olhos me estudando de cima a baixo. "Turista?" perguntou, como se fosse óbvio."Sim. Estou aqui por… um tempo," respondi, sem entrar em detalhes. Tentei sorrir. "E você? Trabalha aqui?"Ele soltou uma risada curta, sem humor. "Você acha que esse lugar é um cenário para seu próximo vídeo ou
Eu nunca imaginei que, um dia, estaria fugindo da minha própria vida. Que imagem, não? Clara Gonçalves, a mulher que parecia ter tudo, finalmente admitindo a verdade: eu não sei quem eu sou. Tudo desmoronou tão rápido que ainda parecia um sonho ruim, uma realidade que eu não queria encarar.Sentei no pequeno café ao lado do aeroporto, uma xícara de café forte nas mãos e o telefone desligado à minha frente. Eu não queria ver mais nada, nem mensagens, nem desculpas, nem justificativas. Pedro… traidor. Eu sabia que o relacionamento estava em ruínas, mas vê-lo com outra mulher foi o golpe final. Meus olhos estavam fixos na espuma do café, mas a imagem dele, tão casual e descontraído com outra, ainda queimava na minha mente. Era isso que eu representava para ele? Uma companhia conveniente para as fotos, nada mais?Eu precisava escapar, precisava de ar. Minhas mãos ainda tremiam quando mandei uma mensagem para Lia: *"Vou sumir. Não me procura por um mês."*Ela me ligou imediatamente, claro.
Há alguns anos, Clara era uma jovem recém-formada, cheia de sonhos, mas sem certeza sobre qual caminho seguir. Ela trabalhava em uma pequena agência de marketing, onde passava boa parte do tempo no celular. Foi ali que ela postou sua primeira foto "planejada" nas redes, um café com o pôr do sol ao fundo.No dia seguinte, ao checar o celular, Clara arregalou os olhos."Dez mil curtidas?" – ela disse, rindo sozinha enquanto lia os comentários entusiasmados: "Que vibe!", "Quero uma vida assim!"Semanas depois, ao comentar sobre o sucesso da foto com sua colega e amiga, Lia, ouviu pela primeira vez o que viria a ser seu mantra."Você é a cara do Instagram, Clara!" Lia riu. "Por que não começa a postar fotos assim? Olha a grana que essas influencers ganham... é quase surreal!"Clara balançou a cabeça. "Ah, nada a ver. Quem vai querer ver minha vida?"Lia sorriu, já vislumbrando algo. "Todo mundo, amiga. Você sabe fazer a vida parecer... linda."Assim, Clara mergulhou de vez no mundo das re
Último capítulo