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Capítulo 5 — Feridas que não sangram

O luar recortava as sombras das ameias, lançando um brilho pálido sobre o pátio de treinamento. A brisa fria acariciava-lhe a nuca, mas o calor do símbolo queimado em sua pele parecia pulsar como um coração maldito.

A marca que nascerá com ela, não era apenas um selo de escravidão mágica. Era um fardo herdado. Uma lembrança impressa em carne do preço que sua mãe pagara, mesmo tão pequeno ele conseguia entenderas coisas.. Ninguém falava disso. Nem ele. Mas, em seus olhos, havia sempre o peso de quem carrega um túmulo nas costas.

A marca em seu braço brilhava fracamente, como se pulsasse com uma vida própria.

Ele não chorava. Não fazia perguntas. Apenas mantinha os olhos naquele ponto entre as pedras. Como se houvesse ali algo que só ele via — um pedaço de um tempo em que o colo da mãe ainda existia, e a dor não morava em sua pele.

Eliara passou por ele. O olhar de ambos se cruzou por um instante, e Maekor viu algo nela que o desconcertou: a mesma confusão, o mesmo incômodo incandescente. A marca também vivia nela agora.

Mas, ao contrário dele, ela ainda podia chorar.

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Eliara caminhava pelos corredores do castelo com passos leves, tentando se manter invisível. O dia fora longo, e Valkar... Valkar a confundia. Não havia ternura em seu toque, apenas desejo bruto e controle. Ele a olhava como um caçador estuda a presa. E ainda assim, seu corpo reagia. Ela odiava isso. Odiava não ter controle nem sobre sua própria vontade.

A voz cortante de Kora a interrompeu.

— Ora, ora. A serviçal preferida do rei — disse, encostada preguiçosamente contra uma pilastra de mármore. Seus olhos brilhavam com malícia. — Já conseguiu um vestido novo com as moedas sujas que recebe por se deitar com ele?

Eliara parou, mantendo a calma que aprendera a usar como armadura.

— Sirvo à vontade do rei. Não tenho escolha.

Kora sorriu, um sorriso de veneno.

— Ah, claro. Uma vítima. Mas tão fácil de dobrar. Como uma vadia treinada. Diga-me, ele sussurra mentiras no escuro também? Promessas de liberdade? Ou você se satisfaz com os restos da atenção que ele nega a todas nós?

— Eu não quero a atenção dele — respondeu Eliara, com a voz firme. — Eu quero sair daqui viva.

Kora se aproximou, os passos medidos, elegantes como uma cobra prestes a dar o bote.

— Viva? Que inocência. Ninguém sai vivo de Valkar. Ele devora tudo. Alma, carne, vontades. E você... você é só um brinquedo novo. Quando ele se cansar, vai te quebrar como fez com as outras.

Antes que Eliara pudesse responder, a presença dele preencheu o corredor como uma sombra viva. Valkar.

— Kora.

A concubina se virou, o rosto assumindo uma máscara de doçura imediata.

— Majestade — ela se curvou levemente, com um sorriso provocante.

— A tua língua corre solta demais — ele disse, sem sequer olhar para ela. Os olhos estavam em Eliara. Não com afeto. Com posse. Como se ela fosse uma joia que alguém tentava tocar sem permissão.

— Eu apenas conversava com a nova protegida de Vossa Graça — disse Kora, disfarçando veneno com mel.

— Ela não é tua igual. Nem tua rival. É minha — disse ele, cada sílaba carregada de domínio. — E ninguém toca no que é meu.

Eliara sentiu o gelo correr pela espinha. Aquilo não era proteção. Era uma gaiola com grades invisíveis. Valkar se aproximou e passou um dedo pela bochecha dela, como se estivesse avaliando a propriedade.

— Se alguém vai quebrá-la, será por minha mão. E não a tua — disse, voltando-se para Kora com olhos de aço.

Kora recuou um passo, o orgulho ferido transbordando em sua postura tensa. Depois se virou e desapareceu no corredor, engolida pela escuridão.

Valkar permaneceu ali por um momento, estudando Eliara como se esperasse algo. Um agradecimento. Uma súplica. Mas ela permaneceu em silêncio, olhando para ele com a mesma resistência silenciosa que alimentava sua alma.

— Você me desafia com os olhos, serva — disse ele, por fim. — É isso que me mantém interessado.

E então se afastou.

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Mais tarde, no terraço de pedra, Eliara voltou a encontrar Maekor. O menino estava em silêncio, deitado de lado, observando o céu. A marca brilhava em sua pele como uma cicatriz viva.

— Está frio — ela disse, ajoelhando-se ao lado dele. — Vai adoecer.

Maekor não respondeu. Mas virou o rosto em sua direção, os olhos grandes e opacos como um espelho partido.

Eliara o cobriu com seu manto e ficou ali, em silêncio, olhando para a mesma estrela que ele encarava.

— Você sente falta dela, não é?

Os olhos do menino se encheram d’água, mas ele não chorou. Só assentiu com a cabeça, devagar.

Ela encostou a testa na dele, como se pudesse dividir a dor.

— Eu também perdi tudo. Mas você ainda tem alguém que se importa. Mesmo que em silêncio.

Maekor segurou a mão dela, apertando com força. E naquele gesto, ela entendeu: ele sabia o que a marca significava. Sabia que ela, assim como ele, agora carregava algo que não podia ser arrancado.

Um destino selado em carne viva.

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