Após perder o filho de cinco anos, o policial Christian O'Neal se revolta contra tudo e todos. Anos de amargura e dor corroem seu casamento, sua carreira, e a chegada do seu novo parceiro, um homossexual assumido, vai levá-lo ao limite. Ao ser transferido para o Departamento de Polícia de Los Angeles, Oliver Leblanc descobre que terá sérios problemas seu parceiro agressivo e homofóbico.
Ler maisEram três horas da madrugada e Christian bebia desde o anoitecer. Dispensando o copo, ele agora bebia diretamente da garrafa, e um tremor involuntário percorreu todo o seu corpo enquanto o uísque descia como uma bola de fogo até o seu estômago vazio.
Limpando a boca com o dorso da mão, Christian se perguntou por que ainda não estava completamente bêbado. Deveria estar, julgando pela garrafa quase vazia. O álcool sempre foi capaz de afogar as suas mágoas e apagar da sua mente qualquer raciocínio coerente.
Mas o efeito desejado não aparecia. Christian fechou os olhos, e apesar de uma leve tontura, as lembranças do funeral do seu filho lhe afloraram na mente com nitidez.
Embora já tenha passado três anos, Christian ainda revive aquele dia fatídico como se dormisse e acordasse dentro de um pesadelo sem fim.
Gabriel tinha apenas cinco anos quando foi diagnosticado com leucemia aguda. Depois de dois meses de hospitais, internações, exames, quimioterapia, seringas e agulhas, seu filho não resistiu.
Christian bebeu o resto do uísque e olhou para a garrafa vazia em suas mãos. As mesmas mãos que tocaram o rosto frio e sem vida de Gabriel. O fardo negro da tristeza é duro de carregar.
É duro porque ninguém entende a sua dor. As pessoas entenderam no início. Entenderam no funeral. Entenderam ao lado da sepultura. Mas não entendem agora. A dor permanece.
Tão silenciosas quanto uma nuvem que se coloca entre Christian e o sol da tarde, as lembranças o deixam em uma sombra fria.
E mais do que lembranças, ele está lidando com amanhãs não vividos. Christian está lutando contra a tristeza, o desapontamento e a raiva. Raiva de si mesmo. Raiva da vida. E acima de tudo, raiva de Deus. Por que o seu filho?
Sabendo que nunca terá uma resposta, Christian colocou a garrafa de lado e deitou no sofá. Ele dormiu sem tomar banho, sem jantar e sem tirar a farda ou a arma da cintura.
No quarto do casal, Melissa, ou apenas Mel, não estranhou a ausência do marido alcoólatra. Ela até prefere não compartilhar a mesma cama com Christian.
Aos 30 anos, Mel é advogada criminalista e trabalha em um dos maiores escritórios de advocacia de Los Angeles. Ela possui um grande círculo de amizades e seus pais moram em Long Beach e a visitam com frequência.
Bonita, inteligente e bem sucedida, Mel se sente cada vez mais infeliz. Muito antes de Gabriel ficar doente, ela e Christian já não compartilhavam dos mesmos sentimentos como marido e mulher. Com a morte do filho, Mel sepultou uma parte de si mesma.
Eles ainda continuam dividindo o mesmo teto porque nenhum dos dois quer abrir mão do confortável apartamento que conquistaram com muito esforço e trabalho duro.
Então, até que cheguem a um acordo que seja bom para ambas as partes, terão que se suportar. Nenhum dos dois quer sair de casa, entrar em uma disputa judicial ou vender o imóvel e dividir o dinheiro.
O casal está vivendo de passado, de lembranças. O quarto de Gabriel permanece intacto, como se ele fosse voltar a qualquer momento.
Enquanto esperam por alguém que não vai voltar, Christian e Mel estam se afogando em um mar de dor e sofrimento.
Christian acordou com dor de cabeça, dor no corpo e para variar, de mau humor. Ele tomou um longo banho, vestiu um uniforme limpo, colocou a arma no coldre e foi para a cozinha tomar café da manhã.
Seu uniforme policial é azul marinho com sapatos pretos, colete, arma, munição, algema e o rádio comunicador da polícia.
Mel apenas olhou para ele por cima da xícara de café. Como sempre ela estava impecável. O cabelo castanho escuro estava solto, cuidadosamente penteado para trás, a maquiagem leve realçava seus expressivos olhos castanhos, nariz delicado e lábios carnudos. A pele cor de mel, lisa e sem imperfeições, tinha um leve brilho acetinado.
O terno cinza claro feito sob medida, e a camisa social branca, lhe conferia elegância, beleza e poder. Mel é uma linda mulher, além de culta e sofisticada.
Christian puxou uma cadeira e sentou de frente para a esposa. O sol da manhã entrava pelas janelas de vidro da sala de estar, tornando o ambiente quente e acolhedor. Porém, o clima tenso não deu lugar a dádiva de apreciar um novo amanhecer.
Christian se serviu de uma xícara de café e olhou em volta.
- Cadê o pão de forma?- Acabou. - Mel respondeu secamente.
Christian parou a xícara de café a caminho da boca, e lentamente, a colocou de volta sobre o pires.
Ele franziu a testa negra e estreitou os olhos escuros.
- É seu dever fazer as compras para dentro de casa.- Eu avisei ontem que tinha acabado.
- Eu trabalho o dia inteiro e não tenho tempo para passar no mercado.
- O pão de forma não fica muito longe da seção de bebidas.
Christian recostou na cadeira e olhou para a esposa com desdém.
- Então é isso? Se eu posso comprar bebidas, eu posso comprar a minha própria comida?- Eu também trabalho o dia inteiro.
- Sentada em um escritório com ar condicionado e com uma secretária que lambe o chão que você pisa.
- Não menospreze a mim ou ao meu trabalho, Christian. Você pode estar na linha de frente, mas eu também enfrento criminosos nos tribunais por horas a fio.
Pensativo, Christian tambolirou os dedos longos sobre a mesa. Ele não desviou o olhar.
- Não teste a minha paciência, Mel.- Ou o quê? Não tente me intimidar, eu não vou ceder tão facilmente.
Por alguns segundos, Christian e Mel travaram uma guerra silenciosa, trocando olhares ameaçadores. Nunca chegaram as vias de fato, mas isso não estava muito longe de acontecer.
Temendo perder o controle e acabar dando uns tapas na esposa, Christian afastou a cadeira ruidosamente, pegou a chave da Land Rover preta que estava em cima do aparador e disse sério:
- Alguém vai acabar se machucando.Mel viu Christian sair de casa e bater a porta com força. Não foi uma indireta. Foi uma ameaça tão clara quanto a luz de um novo dia.
Christian acordou com um dedo dentro da sua boca e um corpinho quente em cima dele. Antes mesmo de abrir os olhos negros, Christian colocou as mãos nas costas da filha, impedindo Vicky de cair da cama.- Papai. - Vicky tirou o dedo de dentro da boca do pai. - Olli disse que vamos passar o dia na casa da tia Mel!Diante da animação infantil da filha de seis anos, Christian riu e abriu os olhos. Ele deu de cara com um par de olhos escuros brilhantes, bochechas fofas, uma narizinho delicado e uma boquinha em formato de coração. Os cabelos castanhos escuros de Vicky estavam soltos e volumosos, emoldurando o seu lindo rosto negro.Christian ganhou um sorriso de janelinha, deu um longo beijo na bochecha da filha e a apertou em seus braços. Vicky riu e soltando o peso do seu corpinho quente, abraçou o pai.Para Christian, ser acordado por Vicky enquanto Oliver prepara o café da manhã enchendo a casa com o delicioso c
Um ano depois...O dia estava nublado. Nuvens cinzentas e esparsas encobriam o vasto céu do Alasca. O inverno se aproximava e com ele, rajadas de vento, tempestades de neve e temperaturas abaixo de zero. Mas para os recém casados, Christian e Oliver, nada disso foi um empecilho para irem passar a lua de mel no lugar onde tudo começou.Jason como padrinho de casamento, os presenteou com uma semana de licença do trabalho. Christian e Oliver não pensaram duas vezes antes de fazerem as malas, e deixarem o agora mobiliado apartamento de frente para a praia de Santa Mônica, para passarem alguns dias no frio do Alasca e na companhia de Ben.Como não poderia ser diferente, o reencontro foi em clima de festa, a confirmação de que o tempo não apaga, e a distância não diminui os laços sólidos de uma amizade verdadeira.Sem cerimônia, como um pai orgulhoso, Ben abr
Christian e Oliver se apresentaram no Departamento de Polícia de Los Angeles às 08:00h de segunda-feira. Trajando terno e gravata, os dois chamavam a atenção por onde passavam. Christian cumprimentou os colegas de trabalho e ficou por dentro das notícias.Brooklin não perdeu a chance. Rindo, perguntou:- E ai, Christian? Trinta dias isolado com um viadinho. Eu ouvi dizer que eles fazem o melhor oral de todos.Wes riu alto.- Dizem que engolem até o talo e pedem mais.Na roda de policiais; risos e gritos. Christian olhou para Oliver que tinha ficado mais afastado para evitar comentários homofóbicos como aqueles.A tristeza que viu nos olhos azuis, incomodou Christian profundamente. O preconceito escancarado. Ele sentiu vergonha por tudo que tinha feito Oliver sofrer, com suas palavras e atitudes deprimentes e egoístas.Os dois tinham combinado manter as aparências
Oliver não pôde evitar o desânimo que se abateu sobre ele ao chegar no apartamento ainda sem mobília, com suas coisas em caixas de papelão, dispensa vazia, poeira por todos os lados e o síndico o lembrando que o aluguel vence em dois dias. Sem salário, ele teria que recorrer aos pais e isso o deixou profundamente chateado.Sua mãe não perderia a chance de dizer que ele tem que guardar dinheiro para eventuais emergências. Seu pai, mais compreensivo, apenas perguntaria de quanto ele estava precisando e faria a transferência para a sua conta bancária quase vazia. Seria constrangedor de qualquer jeito.Oliver queria saber como Christian estava e ele não atendia o telefone e nem retornava as suas ligações. Provavelmente estava tendo uma longa conversa com a esposa. Embora sabendo que não tinha motivos para isso, Oliver ficou com ciúmes.Do frio extrem
Mel levou Christian para o luxuoso e confortável quarto do casal. Christian estava tendo uma crise de choro incontrolável e Mel o deitou na cama, tirou os seus sapatos e deitou ao lado dele até a tempestade passar.Deitados de lado, frente a frente, Mel puxou um lenço de papel da caixa deixada na cabeceira da cama de casal e entregou para Christian.Trêmulo, ele secou o rosto, dobrou o lenço e ficou passando o polegar na ponta do papel branco e úmido com as suas lágrimas.Mel ajeitou a cabeça no travesseiro e respirou fundo.- Meus pais vieram semana passada. Ficaram alguns dias. Meu pai desmontou os móveis. Eu achei melhor fazer isso sem você aqui.Christian encarou a esposa. Seus olhos negros brilhavam de raiva.- Você não tinha esse direito.- Ainda está tudo lá, nas caixas. Algumas coisas estão aqui no armário. Temos que fechar aquela porta, Christian. Porque
Ben suspirou pela terceira vez em menos de cinco minutos. Nunca achou que trinta dias pudesse passar tão depressa. Com a chegada do inverno e o fechamento do parque pelos próximos três meses, ele se sentia inevitavelmente melancólico.Mas esse não era o principal motivo do seu desalento. Contrariando as suas próprias crenças de não se apegar a nada e nem ninguém, estava profundamente triste e angustiado com a partida de Christian e Oliver.Não deveria, mas se afeiçoou aos dois grandalhões e foi a testemunha do nascimento de um amor puro, sincero e verdadeiro.No primeiro dia não deu nada pelos dois. Achou que seria apenas dois policiais encrenqueiros que lhe trariam problemas. Agora, Ben os via partir deixando valiosos ensinamentos. O amor tudo suporta.Christian e Oliver colocaram as malas na picape e olharam para o chalé pela última vez. O lugar inesquecível que marcou suas vidas para sempre. A caminho do ae
Último capítulo